E eu ali.
E eu ali.
Se é Sorte ou Azar, eis o que iremos nos mostrar.
Estava tudo tão calmo! A rede apenas balançava, o vento apenas deslizava, as pessoas apenas conversavam as suas conversas levianas e cheias de tão pouco significado - pois era divertido. Meus olhos semi cerrados vislumbravam meus amigos, tão calmos após o almoço.
O almoço também pesava no meu estômago, então minha mente foi desligando. O ar se tornara nostálgico, cheio de uma nostalgia que nem sabia d'onde. Fui retrocedendo no tempo sem ao menos querer e, de pouco em pouco, me vinham imagens, situações... eu mal escutava a conversa do resto deles, pois me veio a saudade. "Ei, Ele dormiu gente?", se perguntavam. Eu conseguia escutar, mas não conseguia responder... meu corpo perdera as energias e conseguia apenas processar momentos passados.
Meus olhos viraram cinema privado.
Eu tinha tão poucos anos, eu era tão pouco antes. Há tão pouco.
- Como será que vai ser? - eu perguntava.
- Como eu vou saber? - me respondia.
- Como eu queria saber... - então eu dizia.
- Como todo mundo quer saber...! - te continhas.
Eu mal sabia escrever, eu mal sabia o que ler.
- Eu mal sei por onde ir - eu reclamava.
- Vai, oras. - e já me respondias, tão cedo.
- Se vou, não sei por onde. Tenho que pensar, tenho que saber!
- Então pensa, e não fala. - eras a sinceridade em pessoa e carne, mas antes.
Eu não me lembro do outro eu, do outro antes de mim. Era tudo confuso, sem tudo.
- Ei, acorda!
Acordei de sobressalto, com uma puta chuva caindo.
- Quê? - mas ainda estava atordoado.
- Não tá vendo que tá chovendo? Acorda caramba!
- Tá... tá. - saí cambaleante da rede, tentando pegar meus chinelos de borracha pois tinha medo que estragassem na chuva.
Agora, vestia chinelos com o mesmo cuidado de camurças. O chinelo amortecia meus passos. Eu tinha medo, novamente, de ir; mas ia ainda assim.
E quando chega a noite é que eu me pergunto, valeu o dia? Valeu o calor, valeu a chuva? Valeu a tensão dos carros passando e se atravancando em cada canto da cidade?
Agora tudo é tão calmo,
tão terno,
tão ermo.
Me sinto mais ameno. A temperatura, inclusive é mais amena. Meu corpo, inclusive, é mais ameno. São treze graus e duas horas e dez minutos da manhã, mas podiam ser treze graus e duas horas e dez minutos da tarde, mas as coisas não são as mesmas. É menos gente, é menos essa serpente de congruações da cidade, da imundice.
Não que eu ache que a noite não seja mais suja, porque é. Só quem está andando à essa hora pelas ruas - que eu também ando - só as pessoas que buscam um pouco mais, assim como eu busco.
Mas elas não buscam a família, não buscam o trabalho para sustentar o seu lar, não buscam respeito perante a sociedade, nem buscam o amor pelo resto de sua vida; não sei o que buscam. Também não busco nada. Se eu não encontrar não encontrei, e aí só amanhã à noite.
Talvez seja essa sujeira.
O agora seria uma sujeira?
Seria? Talvez.
Talvez para os que vivem da modéstia de planejar o que querem daqui a dez, quinze anos, mas eu nunca fui assim, não sou assim. Quem sabe um dia eu seja assim. Mas agora, aos vinte anos, treze graus e duas horas e dez minutos da manhã, agora não. Agora tudo que me resta é a polícia passando e eu pensando:
- Quem eles estão procurando?
19:28
"O barulho é alto, mas é gostoso.
Chama-se silêncio."
21:xx
"O toque foi de amor. Queria entender por que só ela então não me basta. Quer dizer, então que o que me para não é amor, mas sim paixão?
Ou quem sabe a loucura.
Ou quem sabe a luta por quem ainda não tenho. Vai ver a dor tem seu sabor de quem não se tem.
Agora tudo está tão absurdamente melhor que antes. Rimos o dia inteiro. Me interessa amanhã, se vai continuar.
Tudo isso me deteu de ir chutar um destino, de surpresa. Claro, houve medo. Na realidade só medo. Não estou medindo certo ou errado, medi apenas minha vontade.
Estou decidido a conversar com ele como nunca antes estive. Agora só me fala a oportunidade.
E esta vou moldar ao meu jeito;"
II
15/11/2009
17:+-
"Meu lixo se resume a poeira e flores mortas.
Um pouco daquilo passado ou nunca usado.
Me deixei juntas apenas com pá e luvas.
Não é nojo ou descaso,
não quer dar oportunidade
em errar e deixar espalhar tudo de novo."
III
19/11/2009
00:44
" 'Não sei se endereço isso à tua casa ou à minha'
Comecei mais ou menos assim.
Não foi impulsividade, eu sabia muito bem o que estava fazendo. E fiz. FIZ! FIZ!
Lidei nosso passeio de hoje como despedida dessa fase. Ainda não conversamos.
Hoje. Vai ser inevitável.
Penso ser bom. Penso ser ruim
Não sei; pelo menos encerrei o caso.
FIZ!
E que não me rime com Fim.
IV
01:38
"Nem o trabalho me fez esquecer da conversa que hoje não tivemos, os olhares que não trocamos, os assuntos recorrentes não recontados e rediscutidos.
Eu não sabia o que faz. Você não aparentava ter o que dizer."
V
02:53
"Hoje acordei rezando que me dissessem 'como assim? Andou sonhando, é?'
Tudo me parece um sonho de péssimo gosto.
Não lido bem com perdas, e morro de medo só em pensar que esta pode ser uma; daquelas que revemos só depois de quase um ano e cumprimentamos só por educação.
Me pergunto se vai conseguir me perdoar em situação que me prometi não pedir perdão.
O pior é concordar que nos afastarmos pode realmente lhe fazer bem. Mudar de ares, esse tipo de coisa. Nova gente, novas festas, novas coisas. Todos, em algum momento, precisam de mudanças. Eu precisava, também.
Tentei melhorar,
estraguei.
Como sempre, claro. Como nunca antes; me supero."
Fui, fui, fui, fui, fui, fui, fui, fui... cheguei.
Voltei correndo,
então;
com o coração na mão
sem um tostão.
Fui sem medo e voltei correndo.
Voltei correndo por entender que não há mais muito o que se entender. Hoje em dia torno-se comum sentir saudades de tudo que não se viu, por não termos mais muito o que ver, se não o que nos dizem dizer – histórias de sonhos construídos por sonhos mal resolvidos, apenas, e não só apenas histórias vividas, simples assim’s.
Enquanto ia, imaginava eu ver um mundo inteiro como imaginava; ledo engano jovial: está o mundo onde estão os pés; é o mundo onde estão os olhos. É o mundo, enfim... sem enrolações e suposições fracas de alguém que mal viveu para contar alguma história bem-vinda: insatisfação.
Eliza que era mulher de verdade. Dizia o que pensava e pensava sem medo, não. Quando a noite nascia ia Eliza, toda toda, pro tal samba que ela tanto gostava. Metia um cigarro na boca, um copo na mão – como se fosse homem – e começava o seu rebolar em que Eva pareceu lhe ensinar – como toda mulher deveria fazer. Mastigava a maçã como Deus nunca imaginou alguém mastigar.
Negava todos negros, brancos, mulatos, na dança. Queria mesmo era fazer as bocas dos marmanjos caírem, e só. Sozinha era mais gostoso, me dizia ela. Não tinha que mandar e nem ser mandada nos passos que dava.
- Sabe, Brah. Acho que nunca conseguí um homem que tivesse poder pra me guiar na dança, na vida... quero mais é ser solta, solteirinha, assim como sempre fui. Tu me conhece.
- Conheço sim.
- Conhece.
Nunca a vi chorar, a não ser quando esqueceu seu dedo mindinho no Box do seu banheiro. Me ligou fula da vida, berrando e gritando e enfiando à força algumas palavras pela linha telefônica. Era ela o tipo de mulher que todo homem gostaria de ter, mas não conseguiria agüentar muito tempo, não Senhor.
- Esta porra... – e assim ia, e ia, e ia nas palavras que em qualquer outra cairia vulgar, mas nela não, nela era o que era.
Era branca com sangue de negra brasileira.
Quando a via sambar me vinha o sonho daquela mulher sambando para mim. Coisa que, quando ela conseguia me fazer descer ao bar, acontecia algumas vezes. Os pés dançando, as pernas, a bunda rebolando com vontade divina, e o que posso dizer dos seios se não mais do que já vi? Engolia em seco. Dava um trago. Tomava um gole. Tudo que podia fazer, afinal.
Apenas não via o sorriso dela este dia. Logo ela... talvez tenha sido só um dia ruim. Talvez tinha sido um dia mal, e só isso.
Talvez tenha sido só mais um dia só.
I
Ah...
Se todas as coisas à minha volta pudessem falar. O que diriam, que não
- ...
Que não tudo que já se colocaram a me dizer, nada.
Ah...
Se fosse eu menos ansioso,
se fosse eu menos intenso,
se fosse eu menos...
Eu?
Não, não. Eu não teria coragem disso. Logo a única certeza que tenho de minha vida; logo a única inconstância que não me constrange.
II
Quem sabe eu durma, quem sabe eu suma, quem sabe eu até mesmo compre, para matar a sede, um suco de uva. Mas hoje não, hoje quem sabe eu caia em alguma rua e acorde em outra casa e atropele algum cachorro e espere que ele fique bem no céu.
Ou não, quem sabe hoje eu só seja de novo mais um; ou não.
Quem sabe eu me descubra bonito, interessante, inteligente e elegante. Quem sabe o mundo resolva me dizer o quão bonito eu sou, ou o quão bom sou nas coisas que faço; quem sabe até me dêem, por pura vontade de dar, um prêmio em dinheiro que me valha uma passagem só de ida para qualquer lugar, e que lá me deportem de volta ao meu país de coração.
Ou não, quem sabe hoje eu só seja eu de novo; ou não.
Quem sabe a vida resolva aprender a voar. Quem sabe a morte resolva doar à mim seu bastão.
Ou não, quem sabe hoje simplesmente não.
E, se não, aí sim.
III
Das coisas que sei, poucas saem muito de meu mundo. O engraçado é eu, ao olhar pela janela, me sentir já imponente, logo quando estou em situação de impotente perante terceiros, quartos, quintos...
O mundo já não é o que era antes; engraçado, logo em um mundo que sempre foi o mesmo. Mas aí percebo: não é o mundo que muda, são os olhos.
I
E
de repente
uma agonia me atinge
como trovão. Uma vontade incontrolável
– porém facilmente controlada –
de berrar
meu próprio nome.
Quem sabe eu responda
e me dê resposta.
Raios,
onde está o que
sempre tive e
onde está o que
sempre quis ter?
Onde está
tudo isto que
não sei o que querer?
Onde foi parar
o filho,
o irmão,
o neto,
o sobrinho amado,
o amigo, amante,
não sei;
sei onde
está este que roubou
meu rosto
e meu nome.
Sei onde
estou,
mas não
sei onde
estou;
sei o que
enxergo,
mas entendo?
Me rendo,
me estendo por hoje,
assim como
ontem,
assim como
provavelmente amanhã,
na possibilidade macia
e fácil de minha cama.
Me rendo,
mas só por hoje,
de novo;
prometo,
de novo.
De novo,
engano.
Engano
aos outros?
Aos outros
quem sabe
aos outros
um plano:
deixa
que um dia passa.
II
Sinto no copo mais amor que senti minha vida inteira. Não é vício, não senhor, não pense nisso; longe disso! Talvez seja apenas necessidade de ver a vida como ela realmente é: conturbada, vesga; estampada de luzes que acendem e um dia apagam. Talvez seja falta de algo melhor para pensar em fazer; tirar o lixo para a rua, já fiz. Me senti enfiar no cu cada sacola cheia de sujeira.
Mundinho de merda este, viu. Lindo, belo, de risos, mas de merda.
III
As ruas estão cheias hoje. Uma pena.
Dei meia-volta.
Ah...
que saudade do Brasil com "s".
Cansei deste Brazil,
dos olhares cruzados –
nós que olhamos para lá do Oceano,
e eles que olham pra cá.
Ah...
que falta me faz
de fato o que não vivi
do samba de raiz
do carnaval de fato
não do espetáculo
Ah...
como eram felizes
e como não sabiam?
Até mesmo eu o sei
que hoje será melhor que amanhã
que hoje não é bem mais assim
Ah...
mas do que adianta sonhar?
mas do que adianta reclamar
da saudade do “s” de samba
do Brasil da simplicidade
do Brasil do sabor
Ah...
mas do que adianta sonhar?
vou é lá sambar
até o Brasil de “s” raiar
até o vento bater daqui pra lá
e não mais
não mais tirar-me de meu lar
e não
não que eu não vá
mas se digo que volto
volto por nosso mar.
Ah...
que tristeza é a dor de quem sente-se aquém à tudo que teima em me deixar... assim.
Ah...
que tristeza é o amor de quem deixa-me além à tudo em me deixar tão... assim.
Sabe, sempre sonhei que tudo pode acontecer. Nada além de nada mais que um bater de palmas à minha pessoa, por ter conseguido tudo que pode me deixar... vão.
Vão todas as pessoas que pouco entendem.
Vão, e olharão, pós depois de tudo, que pode ser eu. Vão é o meu tão... eu.
Ah...
que felicidade é a dor de quem sente-me aquém à tudo que teima em deixar-te...
Ah...
que felicidade é o amor de quem deixa-te além à tudo em te deixar tão...
Sabe, nunca realizei que nada pode acontecer. Tudo além de tudo menos que um ócio de minha pessoa, por ter desconquistado nada que pode me deixar... inteiro.
Inteiro todas as pessoas que muito percebem.
Inteiro, e sentirão, antes de antes de nada, que pode vir a ser eu. Inteiro é o meu tão... eu.
O sossego não trás apelo, só fragmenta.
Não sei se é comodismo ou felicidade
do cansaço do dia, do cansaço do gozo. Do cansaço do riso, ou do cansaço de si.
Quem disse que não dá trabalho rir não sabe. Se a culpa é tua,
a culpa é minha, se.
Do cansaço de se querer bem, sempre tão bem.
Bem-estar-bem, sempre estou aí! Para o que der e vier,
para o que der e convir! Bem que nada como sentir-se.
Sentir a si, por inteiro. Sentir a tristeza como prêmio.
Ou algum incômodo, alguma irritação. Não sentir-se sorrindo,
não sou vendedor. Sou mim por inteiro,
algo aí, perdido no palheiro. Palheiro aos prantos
que o sossego não trás apelo. Só fragmenta eu,
me diminui a reles vendedor.
Pois não sou!
Sorriso Colgate vale dinheiro; pois meu bem, meu sorriso não vai valer meu bem.
Não é pranto, não é felicidade.
É sorriso,
sorriso de vendedor. Pois não vendo minha alma,
esta tal, que mal tenho. Pois não vendo minha carne,
pois não vendo satisfação. Tampouco felicidade.
Vendo uma triste idéia de felicidade contínua e imutável. Incansável. Aliás: venderia,
se.
A vida anda, a vida segue, a vida e seus passos pequenos segue, aprende a andar por seus próprio pés, logo logo aprende a correr. Logo logo cansa-se e estaca-se em um banco tranqüilo, sentindo o vento bater e assistindo outras vidas passarem, e irem e acabarem.
Tic-Tac
faziam as sandálias
Tic-Tac
e os passos
Tic-Tac
e mais um passo
Tic-Tac
faziam as sandálias
Tic-
uma sandália
-Tac
outra sandália
Então o silêncio
Então nem passos
Então nem sandálias
A vida anda, segue, corre, cansa. A pilha do relógio, acaba. A calçada termina e lá vem a travessia, e o mesmo a paciência que silencia. E o mesmo os olhos que silenciam.
E a quietude da eternidade,
ou a coragem da vida nova. Ou a dúvida do medo; ou o medo da dúvida.
Tic-Tac
me dizia o relógio
Tic-Tac
me reclamava o relógio
Tic-Tac
me contava a vida
Tic-Tac
Tic-
-Tac
Então o silêncio
Então nem pressa
Então nem cruz nem espada.
Tenho as malas prontas desde que nasci,
digo a sério e ninguém me acredita. Ninguém confia em minha organização, ao menos quem me conheça; mas pouco entendem que não é a mala da mochila que preparo, é a bagagem da vida.
A viagem está posta à frente, a sede está sedenta de não tédio e perdições por ruas de não sei o nome.
Quem sabe um dia eu chegue aos lugares em que nunca quis ir, pois será prova de já ter ido a todos que sempre sonhei.
Quem sabe um dia eu vá, mas até lá...
até lá não sei. Até lá é um sonho de criança,
apenas.
Apenas não, melhor:
ainda.
Ainda um sonho de criança. A qual não mato e me orgulho ao me chamarem
- Infantil...!
Se toda história tem dois lados, prefiro ver o lado do Pequeno Rei.
Se toda história é feita de amores, prefiro não ver; pois ainda tenho meu lado criança, e por mais que tenha medo do que não conheça,
me apavora ainda mais com o que crio na minha cabeça.
Ando nem querendo,
nem tentando,
nem supondo.
Ando pensando só para onde ir depois daqui, e seguir com minha vida
– sem coesão,
sem ritmo moderado,
sem moderação.
Ando é aproveitando a luz do abajur como sendo meu Sol, e os raios de luz do dia que passam pelos furos de minha parede de madeira imaginando serem constelações de estrelas. Ando entendendo pouco,
esperando pouco,
buscando pouco.
Ando assistindo onde vender meus reles sapatos em troca de um pouco mais de passos; que pelo chão de pedra,
dolorosos,
mas ainda assim passos.
Ando nessa de fugir, mas se não enxergo meus chinelos quando estão eles bem em minha frente, como posso pensar ser capaz de escapar depressa do que mal posso ver?
Tolo.
Me dizem
- Tolo.
Me entendo como tolo.
Me suponho como um tolo.
Mas ando não supondo e pouco entendendo, então como vou querer
– quando tampouco ando querendo
sentir-me tolo?
Por isso repito
– sem coesão
e não preciso mais de explicação.
A chuva caía e nada mais importava. Tudo que podia ouvir era o som que vinha lá de muito longe e do som que provinha das vozes insanas ao meu lado. Gritavam coisas que eu não podia entender e eu também gritava tudo o que eu gostaria de cantar e que ninguém mais podia entender.
Eu prestava atenção nas mãos que se encontravam por uma questão única e sua, somente sua. As luzes que iluminavam a todos nós também se encontravam às gotas de chuva que se encostavam em nossos rostos como que benção divina, que nos lavavam o suor do cansaço prazeroso do prazer de estarmos todos nós ali, e somente ali, sozinhos em meio à multidão solitária.
Pulávamos todos, cantávamos todos, esquecíamos todos de nossas vidinhas sacais; estávamos todos unidos, esquecendo-nos todos juntos de tudo mais que nos restava preocupar. A casa, a família, os amores passados e presentes e os futuros que nos esperavam; nada mais. Éramos todos um, únicos de nossas preocupações e ignorantes de nossas responsabilidades. A água que caia e nos beijava pelo corpo tornava a nós nada mais que grãos iguais a todos os outros grãos no universo, e nada, nada mais.
Éramos tudo que queríamos ser:
nada mais que um ponto que formava a leve e linda grossa multidão de quem via,
nada mais que nossa alegria, e as dores que nos perseguia.
A chuva caía e nada mais importava, a não ser a música e nós mesmos em meio à multidão de solitários cansados, em meio a tantos como nós.
I
A madrugada estava conturbada. Dentre as besteiras da televisão e as besteiras de minha mente qual escolher?
De uma da manhã somaram-se mais três horas, e quando dei por mim o relógio havia corrido corrida com obstáculos, e ganhado de mim.
Coloquei música para um banho quente, quem sabe isso me fizesse relaxar.
Peguei toalha da janela, desliguei as luzes e fiquei somente à luz da rua. Que sensação boa era não enxergar, e saber ainda assim onde estava.
Até hoje não sei dizer quanto tempo passei, sei apenas de minha crescente vontade de fazer algo que me fizesse inteiro.
Meus amigos, às nove da manhã, se reuniriam na praia para aproveitarmos mais um dia de verão; foi aí que me ocorreu a idéia, e por que não?
II
Sequei-me, vesti-me com regata, bermuda e tênis confortável. Enchi minha garrafinha de água, peguei minha simplória câmera compacta e, junto de roupas extras pós-praia e alguns lanches empacotados, coloquei-os todos em minha mochila.
Em seguida, com meu mp3 de pilha completamente carregada, meu celular e minha cabeça e corpo leve fechei as portas de meu quarto alugado, fechei as portas da cozinha de acesso à rua, e desci os primeiros degraus.
A noite ainda estava fechada, eram apenas quatro e tantas da manhã e o Sol nem ensaiava em levantar do horizonte. Minha intenção primeira era assistir ao seu nascer na Praia Mole, molhar meus pés na água gelada e revolta e seguir até a Praia da Barra da Lagoa, onde estariam todos.
A adrenalina corria minhas veias, agora feitas de pura excitação. A cada passo um ensaio de desistir.
III
Poucas vezes senti tanto medo, mas tanto prazer; era um orgasmo em conjunto entre eu e a vida. A única iluminação durante a subida do morro da lagoa eram os postes, que por estarem um tanto distantes um do outro, não cobriam todo chão feito somente de asfalto. Nunca quis tanto encontrar uma calçada.
A subida não era cansativa, mas eu estava ofegante pela preocupação de algum carro, em sua desatenção de férias, não se importar em utilizar os cantos da pista. Mudava de lado sempre que podia, para onde pudessem também os motoristas me ver.
Lá pelas tantas resolvi olhar para trás, e que vista linda. Eu ainda estava na metade do caminho de subida, mas a cidade já estava visivelmente para trás, com suas lâmpadas e prédios e ruas e carros. Minha câmera de mão já estava cansada de registrar o caminho, mas minha mão elétrica em apertar o botão da pequena digital. Minhas pernas tremiam, e penso que talvez teria sido melhor aceitar a carona do carro em que quatro mulheres estavam visivelmente enlouquecidas por um parceiro – percebível pelos berros e gritinhos ao passarem em seus oscilantes trinta e noventa quilômetros por hora.
IV
Chegar ao topo realmente lhe dá a sensação de poder, principalmente quando utilizado apenas de suas pernas. O dia estava clareando, havia calculado mal o tempo ou havia eu perdido tempo demais na subida? Não me importava. Eu chegaria quando havia de chegar, e estaria lá na chegada para contar.
Descer, aí descer torna-se mais tranqüilo. Com o dia querendo começar, ciclistas já começavam a pedalar, e corredores a correr, e eu a cumprimentá-los com sorriso de marinheiro de primeira viagem de aventuras de mim comigo mesmo.
Para descer, diz o ditado, todo santo ajuda; mas não foram necessários. Estavam eles assistindo em sua TV à cabo e rindo de minha idéia que poderia claramente ter dado muito errado.
E que cena linda é da Lagoa da Conceição em aurora. Sempre a vi, desde minha infância, e nunca quisera prestar atenção como prestei enquanto estava no mirante, e que lembrava e pensava sobre enquanto lutava contra meu já cansaço perante a gravidade que puxava meus pés para baixo da ladeira.
Quando terminou, praticamente agradeci por poder pisar em chão nivelado, e comecei a procurar uma boa padaria para meu desjejum.
Passava uma, passava outra, e já chegava nas Rendeiras quando percebi que não precisava ainda. A lagoa calma, as gaivotas gavoteando, os passantes passeando; eu, click aqui, click ali. Não sinto orgulho de muitas fotos das muitas, muitas mesmo, que tirei; meus olhos ardiam pelo sono e pela luz, que ainda fraca, mas que também novidade.
V
Após a parada para o suco natural e um sanduíche muito, muito estranho, subida. Morro da Mole, enfim. Ainda bem que com este estava acostumado, o que honestamente já não mudava muito o quadro: camiseta suada, pés doloridos, costas doendo do peso da mochila.
A segunda subida e descida foram de absurda concentração para ver o primeiro objetivo: a primeira praia. Quando vi a areia saindo da pequena trilha que tinha que atravessar despi os pés e que bom foi pisar na luva que estavam os grãos de areia.
Nos meus ouvidos começavam os primeiros acordes de Feeling Good, interpretado pelo genial Michel Bublé. A praia aparecendo aos poucos entre o matagal, o mar revelando-se aos poucos, e enfim... “it’s a new done, it’s a new Day, it’s a new life for me... and I’m Feeling Good…” (é um novo objetivo alcançado, é um novo dia, é uma nova vida para mim… e eu estou me sentindo bem).
Sentei-me na areia exausto, com meus olhos marejados pela música, pela cena em que estava protagonizando. O mar quebrando violentamente logo na beira, e um pequeno lago formado pela descida da maré.
Ao longe apenas uma cadeira de praia e um guarda-sol, sozinhos. Deus estava sentado ali aquela manhã, e acenou para mim, orgulhoso.
It’s a new done
It’s a new day
It’s a new life
And I’m feeling good
A música terminava, coloquei-a para repetir e segui caminho.
VI
Havia já lavado a Alma. Subir novamente mais um morro e descê-lo, os fiz feliz e de câmera na mão, claro.
A Lagoa voltava a ser minha companheira em minha caminhada, e o Sol forte minha preocupação. Estava sem protetor solar ou boné, e tudo o que pude fazer era jogar o resto de minha água em minha cabeça. O dia estava lindo, sem nuvens, porém perigoso para alguém sem planejamento como eu.
Dali pensava eu ser próximo de minha chegada, mas estava redondamente enganado. Após pegar a rua que desembocava para a Praia da Barra, além de poucas belezas, um muro enorme em extensão que repetiu-se por metade do caminho, e que me deu a péssima sensação de não sair do lugar. Foi, de longe, o trecho mais cansativo. Minha sorte é de que estava chegando.
O centrinho de lojas e sorveterias começou a dar a sua cara depois de uma meia hora de caminhada lenta e paciente. Os chinelos turistas já enchiam as ruas das nove e meia da manhã.
VII
Chamaram-me de louco ao contar a história, e alguns demoraram a acreditar, e não sei até hoje se acreditam realmente. Tampouco eu entendo os motivos, só sei do que fiz, e que não saberia se faria de novo o mesmo caminho, mas fiz em golpe de coragem e tédio.
Fiz, e que bom foi seguir meus instintos mais uma vez.