domingo, 3 de abril de 2011

Da janela


Já fui feito de ossos e carne; hoje não passo de algumas analogias fracas. Já tive sangue correndo minhas veias; hoje são alguns sonhos bobos que me mantém aquecido à noite - tão confortável ao ponto de bastar e tirar-me o sono.
Pela manhã tenho meus vícios, à tarde meus deveres, e então volta a noite a me fazer o homem que tanto esperei ser. Ao menos sei estar protegido; nenhuma dor vale um pouco de amor. Vejo ambos pássaros voando e tenho em mãos apenas a outra mão, pois sou disto - de mim. Então a manhã nasce novamente; visto a persona que todos esperam ver junto de algum óculos escuro, de algumas roupas. Acelero minha morte enquanto tomo café para me manter acordado enquanto vivo. Escrevo meu próprio nome, para perceber que ainda sou o das fotografias antigas. Assisto o raio de luz entrando pela janela. Converso duas ou três palavras, para gerar mais duas ou três palavras, para não me deixar perceber que pouco tenho mais a dizer. Sempre fui das palavras, pois são também das palavras os sentidos. Tomo um gole de café amargo, queimo a língua. Dou alguma risada por sentir-me ridículo - eu bem sabia que aconteceria isto, a língua queimada. O café não estava pronto para ser tomado, mas eu precisava do amargo da manhã. Precisava me manter acordado. Paguei a ansiedade com a língua, e alguns de meus dias, meses, anos.
Tentei tanto manter a porta fechada que perdi as chaves; e lá se foi mais uma manhã. Talvez hoje eu tenha tido sorte, foi um dia ensolarado, afinal de contas.