quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Pela janela


O tempo passa para todos, mas resolveu parar para mim. As mesmas pessoas estão cada vez mais diferentes, e o motivo já nem sei. Antigamente me dava desculpas.
- Ficar a sós comigo mesma, saudável. – me sentava e via minha novela.
- Conhecer alguém diferente, hoje não. – me sentava e assistia ao jornal.
- Cinema para quê? – me sentava e assistia à sessão da tarde.
E trabalhava. Nunca saí um dia do trabalho sem tentar ao máximo pegar uma linha a mais para cobrar e dizer
- Obrigada. – com sorriso no rosto.
Sempre sonhei em viajar o mundo com minha mala e meus cigarros. Com meu som de bolso e minha mente de mundo, e minha sede de mais, e uma cerveja para matar o calor – ou um vinho para beber do gosto do frio. Trabalhar nos ônibus me ajudou a deixar o sonho para trás, e por isso gostava de ser colega de motoristas que corriam rápido demais. Eles para que o dia termine, para reverem sua família; eu para deixar o passado da menina viajante abanando. Já joguei o lenço branco pela janela quando me vi presa ao cartão de crédito, e ao salário do fim de mês, e ao cartão do supermercado. Sei que nunca mais vi pela janela, já não me dava mais tesão; as mesmas paisagens, que transformaram-se e pouco fizeram diferença para mim. O barulho dos metais se batendo do ônibus velho viraram canção da nostalgia, de quando ela me incomodava e eu só me dizia
- É por pouco tempo, só até eu me acertar e ganhar dinheiro para eu poder sair.
Eu ia virar passageira, e me transformei numa espécie de cargueira de almas, que vem e vão e eu, aqui.
Eu me transformei no monstro que sempre tive medo de ser, quando eu pensava no que poderia acontecer quando eu crescer. Me transformei na Tia das Balas, que nunca saia daquele mesmo lugar sujo, de balcão de tampa de alumínio e olhos iguais, dia após dia.
As sacudidelas que o ônibus dá me acordam do sono, as sacudidelas da vida nunca me vieram; talvez seja disso que eu esteja precisando, de uns tapas na cara, de uma água gelada.

A noite acaba e meu supervisor me obriga a ir para casa. Especialmente hoje os quadros estão cheios e é claro que ninguém quer pagar a mais por alguém que pouco pode fazer. Dei-me ao luxo de mudar de bar, para comemorar mais um dia de derrota e menos um dia daquilo que sei estar sendo inútil fazer.
O bar era mais aconchegante. Luzes baixas, cadeiras de madeira, mesas de madeira, paredes de madeira; preços de cara de pau. Mas eu precisava me sentir importante para mim mesma. Me perguntaram o nome
- Eliza, coloca Eliza na comanda.
- Já quer pedir ou prefere ver o cardápio?
O bar onde eu ia só tinha as mesmas cervejas das propagandas. Entre as ruins, existiam algumas realmente boas. Mas hoje, pensei: porque não?
- Heineken, então.
- Heineken saindo!
Ainda preferia algumas, mas eles não tinham. Heineken, então.

Ontem bebi algumas a mais do que o planejado. Não sei quantas, mas foi bom. Precisava. Hoje mais um dia de cobrar e agradecer.
Queria eu poder cobrar o que eu realmente queria cobrar, mas se cobrasse de mim mesma eu não teria como dizer
- Muito obrigada, tenha um bom dia.
E sorrir. Sorrir depois, definitivamente não.
A rotina estava me matando. Acordar, fazer café da manhã, comer café da manhã, arrumar a casa, fazer almoço, comer o almoço, lavar a louça do almoço, arrumar a cozinha, tomar banho para ir trabalhar, ir para o trabalho, chegar no trabalho e cobrar e dizer
- Obrigada, tenha uma boa tarde.
Agradecer já não me fazia sentido. Pelo que eu estava agradecendo? Talvez pelo meu salário, aquele que paga toda uma vida que não quero e nunca quis ter. Vai saber. Talvez eu deva apenas ter coragem de me olhar no reflexo da janela em minha frente. Sair, e dizer
- Obrigada, tenha uma boa noite.
E ir.

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